Between Crosses: Pataxó ethnohistory by Alberto do Espírito Santo Matos (Healer Itambé)
- Marcio Maia Malta
- Oct 14, 2022
- 3 min read

“Ali tem uma cruz que a haste dela é de braúna (...) E o braço é de pau-brasil. A primeira que tinha aqui era toda de pau-brasil. Aí o cara pegou ela e levaram pra Portugal. Sumiu, nunca mais apareceu. Eu tive um filho que ele foi passear, fazer um trabalho em Portugal; e disse que viu ela lá em Portugal. Essa cruz que tinha aqui..era de pau-brasil. Ela na ponta da..na travessa do.. da cruz..ela tinha uma bola, aqui na ponta do braço, feita da própria madeira. O cara serrou e deixou uma grossura assim e fez daquela ponta ali uma bola. Aí pintou de verde e amarelo. Aí fez a outra do outro lado. E em cima tinha uma pomba; ele fez uma pomba de madeira (...) aí, os caras de Portugal não guentaram vê e diz — não, nós tem que levar —, quem rezou a primeira cruz aqui foi Pedro Álvares Cabral, que diz que é lá de Portugal e o pessoal interessou de roubar a cruz pra mostrar que, justamente essa foi ele quem fez e fincou ela aí. E nunca mais ninguém deu notícia.
Aí o Fernando Henrique foi e botou essa cruz grande aí..ninguém tem nada haver com ela, de ferro. Aquela de madeira lá, a gente ainda tem ainda alguma coisa, porque.. é natural. Mas esse trenho ai, não. Eu já sonhei que um dia eu topei..cheguei aqui e topei ela no chão, quebrada em três pedaços.Não sei se vai acontecer, mas se acontecer, é muito bem empregado.
Isso aí, no dia dessa cruz aí (a de ferro), eles fincaram umas onze horas da noite.. pros indio não poder atacar. E ninguém queria essa cruz ai. Aí essa cruz de lá era aqui. Eles arrancaram ela e esconderam..escondeu aquela de lá (de madeira) ai no mato e fincou essa daí. Ai quando foi no dia que.. amanheceu no outro dia, que os indio veio verificar isso aí, tava essa cruz fincada aí. E a outra cruz a gente procurou aqui e ninguém achou. Aí, saíram no mato, procurando aqui, procurando ali, acharam. Aí trouxeram pra cá, pra ir fincar ela aí de novo. Não queria fincar aqui não, queria fincar na lateral lá. Aí, no dia que eles soube lá, trouxe.. oito camburão de polícia pra aqui, pra não deixar fincar ela. Só ficar essa daí. A de lá não era pra gente fincar não. Aí eu, já fui cacique..o cacique é uma das pessoas que ele não pode ser valente, agora também não pode ser mofino não, ele tem que ter coragem de homem mesmo. Aí eu fui e falei com o cacique, eu digo — ó, se fosse eu que fosse o cacique, eu ia mostrar pra esse cara, esse governo, se nós ia ter essa cruz ai ou não. Ele podia vir pra cá com o tanto de polícia que ele viesse, mas ela ia ser fincada. E se ele atirasse num índio, a gente ia flechar mais de dez, tem índio bom de flecha aqui. Matar caça não mata não, mas atirar numa pessoa, se marcar direitinho não perde um tiro — Cês tem coragem? — Tem! — Então manda fincar a cruz! —. Aí, todo mundo se fardou. Eu ainda tinha a perna boa graças a Deus, daí me arrumei lá e vim pra cá. Hoje eu não tô sendo mais bom pra atirar não, mas se vim numa brincadeira de lá pra cá e der tiro num aí, vai receber um bocado de golpe de facão que eu vou dar. E se ele resolver querer me atirar, eu vou cortar um dos dois. Aí eu vim pra cá, mas graças a Deus...botou um bocado de polícia aí, tudo armado pra não deixar a gente fincar. Aí eles falava que não mandava, aí eu falava — Pode fincar a cruz aí! — Aí os índio, parece que achava que eu era o peão bonzão mesmo, aí meti a draga pra dentro, abriram o buraco, pegaram a cruz e fincaram. Quando fincaram a cruz e eles viram que os índios tinham razão, aí acalmaram pra lá. O tenente ou sargento, não sei, chamou o pessoal, eles foram lá pra junto do camburão. Ficaram lá. Aí os índios acabaram de fazer o trabalho da cruz. Eu digo — Tá na hora, pode a gente ir embora. Não vamo embora de uma vez não, fica aí ó, enquanto esse povo não vai embora —. Aí, daqui a pouco eles entraram dentro do carro e pegaram o caminho e foram embora. Aí todo mundo foi pra casa, mas tava todo mundo bem meladinho de óleo, já esperando a bagunça começar e o couro comer. Mas graças a Deus não aconteceu nada não”. (Alberto do Espírito Santo Mattos, pajé Itambé, 85 anos, 23/01/2020)


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